quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O Babadook



Por Breno Ribeiro


O Babadook (The Babadook, 2014) é um terror australiano, dirigido pela estreante em longas Jennifer Kent. O filme se destaca pelas metáforas e pela sutileza com a qual desenvolve a relação mãe/filho. E é neste contexto que, à luz da psicanálise e revelando passagens importantes da trama, procurarei desvelar algumas particularidades que envolvem essa relação e destacarei as metáforas utilizadas pela diretora.

No filme, por meio de flashbacks, vemos que Amelia (Essie Davis) perdeu o esposo num acidente de carro, quando ela estava em trabalho de parto e ele a levava ao hospital. De alguma forma Amelia associa a morte do marido e todo o seu sofrimento subsequente ao seu filho Samuel, que nascera naquela noite.

Desde o início do filme podemos notar que há uma rejeição ao filho; como sugere a cena onde os dois estão deitados, Samuel (Noah Wiseman) dormindo abraça a mãe e ela logo se desvencilha do filho e se afasta. E esse sentimento hostil é evidente em vários momentos do filme e se expressa pelo desinteresse e mesmo negligência da mãe que, por exemplo, vê o filho ter problemas escolares e simplesmente deixa de levá-lo à escola, dizendo a todos que o menino está doente.


Acredito que o conceito de Freud, denominado ‘retorno do recalcado’, pode auxiliar numa interpretação das metáforas do filme. Para o pai da psicanálise, o ‘retorno do recalcado’ representa um mecanismo psíquico através do qual os conteúdos que foram recalcados, ou seja, expulsos da consciência, tendem constantemente a reaparecer de maneira distorcida ou deformada. Os conteúdos expulsos da consciência geralmente consistem em ideias e afetos que são insuportáveis ao sujeito.

No decorrer do filme vemos que a hostilidade da mãe para com o filho é muito maior do que imaginávamos e que Amelia pode possuir desejo de matar o filho, para puni-lo pelo mal que ela acha que ele causou à sua vida. Essa ideia é insuportável para uma mãe e Amelia tenta expulsá-la de sua consciência, por meio de uma estratégia mental. Ela então nega toda sua agressividade e sentimentos hostis e os externaliza, projetando-os no Babadook, monstro de um livro infantil possivelmente escrito pela própria personagem.


Quando se aproxima o aniversário de Samuel (a data da morte do marido), esses sentimentos ficam mais aflorados e insistem em retornar. É quando o Babadook começa a aparecer.

O monstro, então, pode ser entendido como o mal negado e reprimido que retorna de forma distorcida. O conteúdo quer voltar à consciência e isso é mostrado no filme através da metáfora do Babadook (o sentimento que foi ‘externalizado’) que quer entrar no corpo de Amelia. O que fica claro quando Amelia lê esse trecho do livro: “QUANTO MAIS NEGAR, MAIS FORTE EU FICO. DEIXE-ME ENTRAR. VOCÊ COMEÇA A MUDAR QUANDO EU ENTRO.”

E o trecho do livro que diz que “O BABADOOK CRESCE SOB SUA PELE” tem o mesmo sentido da cena do buraco sob o papel de parede por onde emergem baratas. Ambos são metáforas do mal interior que aflora.


Quando o Babadook possui Amelia, ela é tomada por seus sentimentos de ódio ao filho e tenta matá-lo. E é interessante ver que Samuel usa as armas que ele preparou para se defender do monstro contra sua mãe, pois desde o início ela é o Babadook.

No final, Amelia ‘doma’ o monstro, mantendo-o no porão e o alimentando todo dia, como quem olha de frente e aceita seu lado ruim, mas tem que cuidar diariamente para não deixar que ele tome o controle.

  24 comentários:

  1. Gostei bastante da sua crítica.
    Sem dúvida e um dos filmes que mais se apresenta à investigação psicanalítica.
    Mas, sinceramente, é o tipo de filme que só comecei a apreciar depois de vê-lo e após ler sobre ele.

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    1. Concordo com você, o filme melhora numa revisão. Realmente não é um filmaço de terror, ele se destaca mais por essas sutilezas que por sustos e pelo monstro em si, nem é propriamente um filme que dê medo. O terror dele está na sugestão, na ideia do mal que podemos guardar dentro de nós e muitas vezes nem notar. Vale pela reflexão.

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    2. Acho que "terror psicológico" é o termo/gênero que você estava procurando.

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  2. vale lembrar que ela demonstra ter sintomas claros de esquizofrenia, tendo alucinações visuais(as baratas) e etc. fora ser sincera demais e coisas do gênero, é um filme muito bom com atuações soberbas, Samuel esteve perfeito no papel, quando ela começa a gritar no carro eu tive vontade de mata-lo na base da voadora... imagine a pobre Amelia... ótimo filme.

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  3. Interessante análise. Enquanto assistia o filme, pensei no Babadook como o sentimento de perda que a mãe tanto negava, como diz a própria irmã: "Já fazem sete anos e tu tá nessa ainda.." algo assim.

    Ela isolou as coisas do marido no porão e, sempre que alguém comentava sobre a morte do marido ou mencionasse algo que levasse a esse assunto, ela ficava instável. No entanto, como afirma o próprio Babadook, quanto mais ela rejeitasse a ideia da perda e vivesse essa não aceitação, mais forte o Babadook ficaria, crescendo por debaixo da pele e vindo de dentro pra fora.

    No final, ela aprende, finalmente, a lidar com a perda e enfim ela começa a viver com a dor "amigavelmente", tanto que depois quando o filho comenta sobre a morte do pai para os assistentes sociais, a mãe apenas ri e continua a conversa.

    Enfim, são várias interpretações :)

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    1. O filme fala claramente sobre trauma. É interessante.

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    2. Quer terror maior do que o q desconhecemos ou negamos de nós mesmos?! O filme é uma obra prima no que cerne a enredo ... de fato para os amantes da sétima arte ainda deixa a desejar em alguns esquemas mais ainda asim não ofusca o brilhantismo e a delicadeza no qual ele é conduzido.

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  4. Gostei muito do filme. Mais ainda pós a análise. Mas fica uma pergunta: por que o cachorro teve que morrer? ;)

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    1. Possivelmente, pq era o animal de estimação de Sam, e como ela guardara sentimentos ruins com o relação ao filho, tirou algo que ele mais parecia gostar... Assim como em todos os aniversários ela ficara agressiva por lembrar do dia da morte do marido.

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    2. Realmente essa cena é chocante, e traz a tona as consequências permanentes de nossas escolhas, a partir do momento em que ela suprimiu todas essas coisas e externizou de maneira violenta acabou sobrando para o mais fraco, são cicatrizes necessárias muitas vezes para mantermos esse monstro domado... Pobre do cachorro...

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    3. A morte do cachorro partiu meu coração. Mudaria isso no filme.

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  5. Gostei muito da sua crítica, seguiu +/- a mesma linha que pensei enquanto assistia o filme... Mas também me ajudou a esclarecer algumas coisas que haviam ficado em aberto. Só não entendi o por que da Amélia/Babadook ter matado a Bugsy....

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  6. Autor do texto, assista "Quando as luzes se apagam" (Lights out) E faça uma analise também! Eu assisti e identifiquei nele uma metafora sobre o que depressão sem tratamento pode fazer com uma família.

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  7. Breno sua visão foi muito clara, realmente esses monstro muitas vezes habitam dentro de nós, devemos aceitar e fazer a convivência o mais tranquila possível, suas palavras traduziram muito do que senti ai ver o filme, muito obrigado!

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  8. Se o problema estava na mãe, por que Samuel tinha problemas na escola e via o Babadook desde o inicio do filme? Acredito que se o problema fosse apenas na mãe, a criança não veria o monstro.

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    1. Na verdade acho que seria até certo Sam ver. No que eu entendi, Babadook era o ódio externalizado e deformado que a mãe tinha pelo filho, e, parando e adaptando essa metáfora em outra situação a pessoa mais afetada pelo ódio externalizado no começo seria quem recebe esse ódio, no caso, Sam, o filho.

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    2. O livro babadook de fato existia , logo o medo da criança a principrio se baseava nisso , conforme o filme se desenrola esse suposto ódio da mãe se materializa nessa figura que de fato se torna real em seu consciente

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  9. Ninguém comentou sobre as atuações. .. tanto da Essie quanto a do menino... que na minha opinião salvou o filme, juntamento com e enredo e a direção. .. porem os efeitos... enfim... Parabéns a essa atriz... virei fã dela...

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  10. Essa crítica me ajudou a entender melhor o filme!! Mais quero mes no deixar meu elogio aos atores Essie e Samuel principalmente o garoto de uma atuação incrível. .na cena do carro até eu queria matar o pobre San kkkk show!!!

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  11. Gostei bastante desse texto. Com certeza me fez entender melhor o filme. Obrigada!

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  12. Um fato que eu achei bem interessante no filme é o de Amelia e seu filho serem assombrados pelo Babadook de formas bem diferentes. Samuel era uma criança, e, além de tudo, se destacava entre outras crianças por ter crises de ansiedade e hiperatividade. É bem comum que crianças nesse quadro aleguem verem monstros e procurem combatê-los. Já Amelia, via o Babadook em forma de psicose e paranoia, como uma projeção de todas suas dores e mágoas.
    Babadook de fato atormentava os dois personagens, mas cada um tinha sua interpretação acerca do monstro.

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  13. Acredito que embora esse conceito estabelecido pela crítica esteja correlacionado, um paralelo, mais adequado seria o da depressão, onde todo o filme apresenta informações subjetivas que levam a conclusão de que tudo que é experienciado, esta na verdade, dentro da cabeça da protagonista. Desde a casa, suas cores, sua rotina, sua vida, o antes, meio e após o contato com a doença, e o final, que esta ligado a memória reprimida que a causou, mas que mesmo após a conscientização, ainda se mantem viva, e requer diária atenção.

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  14. Eu achei que The Babadook era um filme de suspense e terror leve mas quando assisti quase morri de medo! Parecia filme de exorcismo! E o pior é que a mulher não destruiu o monstro e sim guardou-o no porão! Não gostei.

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  15. Melhor análise que vi e realmente fica bem claro que a mãe guarda um ódio do filho quando ela diz que queria que o filho morresse e nao o pai no momento que ela está "possuída" pelo babadook e vemos que os sentimentos ruins da mae sempre ficam aflorados na época de aniversário do menino, tanto que a vizinha aparece pra perguntar se está tudo bem e que sabe que essa época do ano é difícil pra ele, ela nem quer falar com a mae, apenas fornecer auxílio ao garoto. A atuação dos personagens principais é ótima,o garoto faz a gente sentir raiva, querer arremessar ele do carro, depois a gente sente pena, a mãe é outra que a gente sente a exaustão e eu particularmente comecei a ficar com medo dela antes mesmo dela ficar possuida, porque comecei a ver nela algo ruim e depois tudo se concretizou

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