Beleza Americana
Por Breno
Ribeiro
American Beauty, uma espécie de rosa conhecida
pela perfeição da sua cor e forma, mas que não exala perfume algum, é assim uma
linda forma sem essência. O filme Beleza Americana (American Beauty, 1999) é
sobre isso, sobre um estilo de vida que valoriza as aparências em detrimento da
essência. Neste texto vou utilizar os conceitos da psicologia fenomenológica de
Autenticidade e Inautenticidade para discutir metáforas utilizadas pelo diretor
Sam Mendes neste filme, ganhador de 5 oscars, incluindo melhor filme.
Segundo a filosofia fenomenológica, que
tem em Martin Heidegger um dos seus maiores expoentes, desde o primeiro
instante de vida somos pressionados pelo ambiente externo a agir de determinada
forma, segundo a cultura na qual estamos inseridos. O modo de conduzir a vida,
fortemente influenciado pelos imperativos sociais, é caracterizado pela
inautenticidade. Por outro lado, cada um tem a competência e o dever de pensar
a sua condição no mundo e por meio de um processo de investigação interna encontrar
aquilo que há de mais peculiar e inerente a ele, ou seja, sua autenticidade.
Por ser mais cômodo socialmente e gerar
menos atritos o modo de vida inautêntico é comumente adotado na maior parte do
tempo, mas há sempre o risco de ficarmos aprisionados pela necessidade de
satisfazer imperativos sociais e não sermos quem realmente somos.
No filme, Lester Burnham (Kevin Spacey)
se vê nesta condição. Mas, cansado de viver a vida de aparência imposta por sua
esposa Carolyn (Annette Bening)
e pela sociedade em geral, ele decide parar de tentar atender ao chamado
externo e buscar a sua autenticidade, o que desencadeia grandes revelações em
sua aparentemente perfeita vizinhança.
As american beauties (lindas, mas sem
perfume), que inspiram o título do filme, são empregadas na composição das cenas
como metáfora para a tentativa de manter as aparências, o parecer ser se sobrepondo
ao ser. A dedicação da Sra. Burnham ao seu jardim de american beauties
representa o cuidado da personagem em passar para os outros uma imagem de
mulher feliz e bem sucedida, bem como de uma família perfeita. E observe que as
rosas aparecem em todos os cantos da casa da família Burnham, a representação
de uma família que se esforça para atender a todos os imperativos sociais.
Como sugere a frase no cartaz do filme
“olhe bem de perto”, precisamos nos aproximar para ver além das aparências. No
início do filme, vemos uma família aparentemente harmônica e unida sentada à
mesa enquanto a câmera faz um zoom, aproximando o nosso olhar, e logo vemos uma
discussão começar. Sobre a mesa há um jarro com as rosas vermelhas.
A partir da trama com várias
divergências familiares, o filme critica os valores morais da sociedade
americana (ou o american way of life), que prega o sucesso financeiro e
felicidade, quase como uma imposição. A imagem da casa da família Burnham nas
cores da bandeira americana cercada de rosas american beauties é o símbolo da
decadência desse estilo de vida e de uma família presa às aparências.
A cena em que Lester recolhe papéis que
caíram da sua maleta é particularmente inspirada, pois sintetiza muitas
informações sobre o personagem num único plano com vários elementos simbólicos.
Com sua casa ao fundo, vemos o personagem ajoelhado, cercado pelas rosas de sua
esposa, exibindo um sorriso nada espontâneo que revela toda submissão do
personagem àquela sufocante vida de aparências, ao mesmo tempo em que parece
estar cansado de tudo isso.
Os papéis de sua maleta, que simbolizam
seu trabalho, não por acaso têm as cores azul, vermelho e branco (no escritório
de Lester seus objetos possuem as mesmas cores). No filme, o trabalho em
grandes empresas é mostrado de forma extremamente cínica e crítica, sendo que,
em boa parte das cenas que mostram os Burnham trabalhando, eles são forçados a
parecerem animados e simpáticos, mesmo estando infelizes ou extremamente
irritados. E as placas das imobiliárias de Carolyn e do seu amante seguem o
padrão de cores.
É diante deste contexto opressor que
Lester se rebela e tenta ter uma vida mais autêntica e vemos uma mudança de
postura. Mais seguro e sem a menor intenção de agradar aos outros, o personagem
procura seu próprio jeito de ser. Essa nova postura é simbolizada com a
reedição da cena na mesa de jantar. Reparem que dessa vez o arranjo de rosas
não está mais lá e ele se levanta e se impõe.
Nesta outra cena vemos Lester com os
pés sobre a mesa onde se encontra um arranjo de american beauties, o que mostra
sua postura avessa a qualquer tentativa de manter as aparências.
Todo o arco dramático que Lester
atravessa durante o filme consiste numa investigação interna da sua
autenticidade. Ele passou a não atender aos apelos sociais e faz um resgate das
experiências de sua vida. O personagem sai do emprego, mostra a esposa que não
é mais dependente para se satisfazer sexualmente e é tomado por uma paixão
repentina por Angela (Mena Suvari), uma colega de sua filha de comportamento
sensualizado.
No entanto, ao final, notamos a natureza
inautêntica da adolescente virgem que se gaba das suas experiências sexuais
para as colegas. E note que, nas fantasias de Lester, a jovem surge imersa em
american beauties, o que mostra não apenas a fragilidade da máscara social da
garota, mas, também, o caráter ilusório daquele desejo de Lester, como se
aquilo não fosse exatamente o que ele procura.
No fim do filme, Lester chega ao final
de sua investigação, conseguindo enxergar para além das aparências e fantasias.
Ele se lembra de um momento anterior, onde sua família ainda não estava sufocada
pelos imperativos sociais, e sente que ali ele foi autêntico. Esse sentimento é
simbolizado quando ele coloca a foto de sua família sobre o arranjo de rosas.
Alocando a essência sobre a aparência. É irônico que ele consegue isso poucos
instantes antes de sua morte.
A morte de Lester, anunciada no início
do filme, é perpetrada por seu vizinho Frank Fitts (Chris Cooper), um ex
fuzileiro naval que escondia sua homossexualidade sob uma dura camada de
machismo. Novamente a ideia da essência suprimida pela aparência. Nesse
sentido, é interessante ver a cena em que Frank limpa o para-brisa do seu carro
e vemos nele o seu reflexo, dando a impressão que o personagem lustra a sua
própria imagem.
Ao que parece, Frank faz de tudo para
esconder o seu segredo e manter a sua máscara social. Quando Lester descobriu
seu segredo por acaso, o vizinho viu ameaçada a imagem idealizada que construiu
de si mesmo durante anos e agiu de forma a protegê-la.
Leia outras análises:
Ótimas interpretações. Obrigado pelo texto!
ResponderExcluirótima analise!
ResponderExcluirAnalise maravilhosa! Uau
ResponderExcluirMagnífico!
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