quarta-feira, 4 de março de 2015

Beleza Americana



Por Breno Ribeiro


American Beauty, uma espécie de rosa conhecida pela perfeição da sua cor e forma, mas que não exala perfume algum, é assim uma linda forma sem essência. O filme Beleza Americana (American Beauty, 1999) é sobre isso, sobre um estilo de vida que valoriza as aparências em detrimento da essência. Neste texto vou utilizar os conceitos da psicologia fenomenológica de Autenticidade e Inautenticidade para discutir metáforas utilizadas pelo diretor Sam Mendes neste filme, ganhador de 5 oscars, incluindo melhor filme.

Segundo a filosofia fenomenológica, que tem em Martin Heidegger um dos seus maiores expoentes, desde o primeiro instante de vida somos pressionados pelo ambiente externo a agir de determinada forma, segundo a cultura na qual estamos inseridos. O modo de conduzir a vida, fortemente influenciado pelos imperativos sociais, é caracterizado pela inautenticidade. Por outro lado, cada um tem a competência e o dever de pensar a sua condição no mundo e por meio de um processo de investigação interna encontrar aquilo que há de mais peculiar e inerente a ele, ou seja, sua autenticidade.

Por ser mais cômodo socialmente e gerar menos atritos o modo de vida inautêntico é comumente adotado na maior parte do tempo, mas há sempre o risco de ficarmos aprisionados pela necessidade de satisfazer imperativos sociais e não sermos quem realmente somos.

No filme, Lester Burnham (Kevin Spacey) se vê nesta condição. Mas, cansado de viver a vida de aparência imposta por sua esposa Carolyn (Annette Bening) e pela sociedade em geral, ele decide parar de tentar atender ao chamado externo e buscar a sua autenticidade, o que desencadeia grandes revelações em sua aparentemente perfeita vizinhança.

As american beauties (lindas, mas sem perfume), que inspiram o título do filme, são empregadas na composição das cenas como metáfora para a tentativa de manter as aparências, o parecer ser se sobrepondo ao ser. A dedicação da Sra. Burnham ao seu jardim de american beauties representa o cuidado da personagem em passar para os outros uma imagem de mulher feliz e bem sucedida, bem como de uma família perfeita. E observe que as rosas aparecem em todos os cantos da casa da família Burnham, a representação de uma família que se esforça para atender a todos os imperativos sociais.
Como sugere a frase no cartaz do filme “olhe bem de perto”, precisamos nos aproximar para ver além das aparências. No início do filme, vemos uma família aparentemente harmônica e unida sentada à mesa enquanto a câmera faz um zoom, aproximando o nosso olhar, e logo vemos uma discussão começar. Sobre a mesa há um jarro com as rosas vermelhas.
A partir da trama com várias divergências familiares, o filme critica os valores morais da sociedade americana (ou o american way of life), que prega o sucesso financeiro e felicidade, quase como uma imposição. A imagem da casa da família Burnham nas cores da bandeira americana cercada de rosas american beauties é o símbolo da decadência desse estilo de vida e de uma família presa às aparências. 

Também podemos notar referências à bandeira americana nas listras vermelhas e brancas do suéter de Jane (Thora Birch) e até mesmo no sangue que escorre na testa de Lester.
A cena em que Lester recolhe papéis que caíram da sua maleta é particularmente inspirada, pois sintetiza muitas informações sobre o personagem num único plano com vários elementos simbólicos. Com sua casa ao fundo, vemos o personagem ajoelhado, cercado pelas rosas de sua esposa, exibindo um sorriso nada espontâneo que revela toda submissão do personagem àquela sufocante vida de aparências, ao mesmo tempo em que parece estar cansado de tudo isso.
Os papéis de sua maleta, que simbolizam seu trabalho, não por acaso têm as cores azul, vermelho e branco (no escritório de Lester seus objetos possuem as mesmas cores). No filme, o trabalho em grandes empresas é mostrado de forma extremamente cínica e crítica, sendo que, em boa parte das cenas que mostram os Burnham trabalhando, eles são forçados a parecerem animados e simpáticos, mesmo estando infelizes ou extremamente irritados. E as placas das imobiliárias de Carolyn e do seu amante seguem o padrão de cores.

É diante deste contexto opressor que Lester se rebela e tenta ter uma vida mais autêntica e vemos uma mudança de postura. Mais seguro e sem a menor intenção de agradar aos outros, o personagem procura seu próprio jeito de ser. Essa nova postura é simbolizada com a reedição da cena na mesa de jantar. Reparem que dessa vez o arranjo de rosas não está mais lá e ele se levanta e se impõe.
Nesta outra cena vemos Lester com os pés sobre a mesa onde se encontra um arranjo de american beauties, o que mostra sua postura avessa a qualquer tentativa de manter as aparências.
Todo o arco dramático que Lester atravessa durante o filme consiste numa investigação interna da sua autenticidade. Ele passou a não atender aos apelos sociais e faz um resgate das experiências de sua vida. O personagem sai do emprego, mostra a esposa que não é mais dependente para se satisfazer sexualmente e é tomado por uma paixão repentina por Angela (Mena Suvari), uma colega de sua filha de comportamento sensualizado.

No entanto, ao final, notamos a natureza inautêntica da adolescente virgem que se gaba das suas experiências sexuais para as colegas. E note que, nas fantasias de Lester, a jovem surge imersa em american beauties, o que mostra não apenas a fragilidade da máscara social da garota, mas, também, o caráter ilusório daquele desejo de Lester, como se aquilo não fosse exatamente o que ele procura.
No fim do filme, Lester chega ao final de sua investigação, conseguindo enxergar para além das aparências e fantasias. Ele se lembra de um momento anterior, onde sua família ainda não estava sufocada pelos imperativos sociais, e sente que ali ele foi autêntico. Esse sentimento é simbolizado quando ele coloca a foto de sua família sobre o arranjo de rosas. Alocando a essência sobre a aparência. É irônico que ele consegue isso poucos instantes antes de sua morte.
A morte de Lester, anunciada no início do filme, é perpetrada por seu vizinho Frank Fitts (Chris Cooper), um ex fuzileiro naval que escondia sua homossexualidade sob uma dura camada de machismo. Novamente a ideia da essência suprimida pela aparência. Nesse sentido, é interessante ver a cena em que Frank limpa o para-brisa do seu carro e vemos nele o seu reflexo, dando a impressão que o personagem lustra a sua própria imagem.
Ao que parece, Frank faz de tudo para esconder o seu segredo e manter a sua máscara social. Quando Lester descobriu seu segredo por acaso, o vizinho viu ameaçada a imagem idealizada que construiu de si mesmo durante anos e agiu de forma a protegê-la. 


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